No dia 24 de novembro de 2010, o Rio de Janeiro iniciou a que provavelmente foi a maior ofensiva contra o crime organizado em toda a história do País.
Os fatos pertinentes à invasão, de amplo conhecimento público, culminaram na tomada do complexo do Alemão e com o simbolismo de fincar as bandeiras do Brasil e do Rio de Janeiro em seu ponto mais alto.
Mas nenhuma guerra é ganha apenas com armas e treinamento militar. A principal ferramenta bélica que existe desde o início dos tempos é – e provavelmente sempre será – a comunicação.
Os dois caminhos possíveis de uma guerra
No início da operação policial, não se sabia como o povo brasileiro reagiria aos combates que, sem dúvidas, gerariam tiros para todos os lados e riscos de morte concentrados. Mas sabia-se, claro, que obter o apoio do povo seria fundamental para o sucesso.
Afinal, se a população condenasse em massa a ação das tropas do governo, ela provavelmente fracassaria. Uma explosão de violência repudiada pelo público acabaria forçando o governo a diminuir o ritmo das ações, a perder o apoio de setores importantes, como o governo federal e o judiciário, e a abandonar a operação.
Mas se, por outro lado, a população apoiasse publicamente a operação, o gás político gerado com isso faria natural o apoio de todos os órgãos necessários – além elevar fortemente o moral dos soldados, algo decisivo no campo de batalha.
A manipulação da anarquia
É importante entender que opiniões sempre foram e sempre serão manipuláveis, em qualquer lugar do mundo e por toda a história da humanidade. Para existirem, afinal, opiniões precisam ser formadas – o que ocorre via oradores habilidosos e meios de comunicação abrangentes.
Ou seja: ter o apoio da população não é algo que vem do vácuo, do acaso, mas sim o resultado de um processo de comunicação planejado nos mínimos detalhes.
O lado A
Neste ponto, é importante lembrar que, há menos de 50 dias, o filme Tropa de Elite 2 foi lançado nos cinemas com forte apoio do governo carioca, batendo recordes de bilheteria e posicionando os policiais do BOPE como verdadeiros heróis nacionais. O lançamento foi relevante principalmente por dois motivos: gerou uma espécie de admiração coletiva pelos soldados e, ao mesmo tempo, elevou o moral de toda a corporação.
Dias depois, a operação em si foi deflagrada – com ampla cobertura da mídia. Durante uma semana, jornalistas acompanharam os movimentos das tropas do BOPE e dos militares, mostrando tudo o que estava acontecendo nos morros cariocas a cada instante.
Trocas de tiros, cenas de traficantes exibindo as suas armas como uma afronta à autoridade, fugas de uma favela a outra, rendições e capturas de líderes de quadrilhas, bandeiras sendo fincadas nos altos dos morros.
Informação atrás de informação, 24 horas por dia, narravam a história enquanto ela se fazia acontecer.
Entre uma cena e outra, moradores das favelas eram filmados incentivando a ação e elogiando as tropas do governo que, enfim, trariam paz à região.
O lado B
No dia 24/11, um perfil nomeado @BOPE_RJ começou a trazer relatos da operação policial via Twitter, dizendo-se oficial da tropa na rede. Em uma série de tweets que foi até o dia seguinte, era comunicado aos mais de 20 mil seguidores tudo o que estava acontecendo ao longo do processo. Uma massa de usuários acessou o perfil e passou a enviar mensagens de apoio – até que se descobriu que se tratava de um perfil falso.
Em paralelo, perfis de usuários que estavam nas comunidades (como o @vozdacomunidade, que saltou de 180 para cerca de 30 mil seguidores em poucos dias) transmitiram a sensação dos moradores nas favelas – um tipo de cobertura viável apenas pela existência das mídias sociais. De mensagens de apoio a perguntas de curiosos, perfis como esse movimentaram o microblog como poucas vezes se viu antes.
Por sua vez, perfis do governo carioca – @segurancarj e @govrj – municiaram a população de informações oficiais e de avisos (como uma possível tomada de morros como a Rocinha e o Vidigal no futuro próximo).
As três camadas da mídia
A comunicação constante foi feita, portanto, em três camadas:
1) Meios de comunicação de massa, tradicionais e principais formadores de opinião.
2) Grandes perfis nas redes sociais, do governo a ONGs e populares que aproveitaram a ocasião para aparecer.
3) Usuários “normais” que, em sua coletividade, acabavam representando uma espécie de voz da sociedade, confirmando de maneira inquestionável o apoio popular aos soldados.
Entre os dias 26 e 29 de novembro, o sistema I-Brands mediu mais de 1,5 milhão de tweets relacionados à guerra no Rio. Desse montante, mais de 90% demonstraram apoio à ação.
As mensagens foram tantas que, ao longo de toda a semana, não houve um só dia em que as batalhas não foram parar nos trending topics do Twitter.
Quando a rede é a arma
Cabe ainda ressaltar que esse volume de conteúdo é lido não apenas por internautas espalhados mundo afora, mas também pelos principais atores do evento – tanto policiais quanto criminosos – influenciando de forma integrada as suas motivações e os seus planos.
No final das contas, o casamento das três camadas de mídia gerou uma rede intricada de formação de opinião que fomenta informação, motivação de tropas e intimidação de criminosos. Ao menos por enquanto, essa rede está sendo uma das principais armas do governo em sua guerra contra o tráfico – provando que os órgãos de segurança estão, finalmente, chegando à era digital.